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Pele: por que cuidamos tão mal do maior órgão do corpo?


É um paradoxo reluzente: o povo que ama um produto de beleza e um procedimento estético é o mesmo que não frequenta como deveria o consultório do médico que zela pela pele.

É o que dedura um levantamento inédito da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). A constatação: 54% da nossa população — ou seja, mais de 100 milhões de pessoas — nunca foi a um dermatologista.

“Embora expressivo, esse número, infelizmente, não é surpreendente”, afirma Carlos Barcaui, presidente da SBD. “Não só o conhecimento sobre a importância da saúde da pele precisa ser ampliado como a ausência de consultas regulares compromete a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de doenças que vão muito além da estética.”

Uma contradição e tanto, se levarmos em conta que a pele é um órgão como o cérebro e o coração; melhor dizendo: o maior órgão do corpo.

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Apesar de os problemas cutâneos serem prevalentes, os brasileiros vivem em meio a um duplo desafio: a falta de informação a respeito e de acesso à especialidade que cuida da pele.

“Em muitas regiões do país, sobretudo fora dos grandes centros urbanos, há poucos dermatologistas na rede pública”, aponta a dermatologista Bárbara Miguel, do Einstein Hospital Israelita, em São Paulo. “Muitas vezes, o atendimento especializado chega tarde ou, em alguns casos, nem chega.”

Outro fator que explica a procura aquém do esperado é cultural. “Há estigmas que associam o cuidado da pele a algo supérfluo”, lamenta o dermatologista Joaquim Xavier, do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília. Entre os homens, por exemplo, ainda é comum a ideia de que tratar da pele é prerrogativa das mulheres.

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Clique para ampliar (Design e ilustrações: Laura Luduvig/Estúdio Tigre/Veja Saúde)

Na pesquisa da SBD, baseada em 2 mil entrevistas realizadas pelo Instituto Datafolha com representatividade nacional, descobriu-se que, entre os 46% dos cidadãos que afirmam já ter ido a um dermato, 14% costumam agendar uma consulta pelo menos uma vez por ano.

É o que recomenda a própria SBD, reforçando que o escopo desse profissional não se resume à pele em si, mas se estende à avaliação de unhas, cabelos e mucosas (como boca, narinas e genitais). “A frequência de visitas varia conforme a idade, o histórico familiar e as condições clínicas do paciente”, resume Barcaui.

Em alguns casos, como feridas que não cicatrizam, coceiras que não cessam ou lesões que mudam de forma, cor ou tamanho, o indivíduo não deve esperar um ano para agendar consulta. “A detecção precoce é essencial para qualquer tratamento”, ressalta o médico.

Alguns achados do mapeamento ao menos são positivos. A prevenção de doenças foi o principal motivo a levar as pessoas ao dermato, alcançando o índice de 38% de respostas dos participantes. Higiene pessoal vem em segundo lugar (34%) e autoestima em terceiro (13%).

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A importância do autoexame

Se a ida ao expert deve ser anual, o autoexame da pele deveria ser feito uma vez ao mês. É o que defende a dermatologista Mariele Bevilaqua, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre: “Ele é uma ferramenta importante para diagnosticarmos mais cedo problemas como o câncer de pele”.

E leva menos de uma hora. “O autoexame deve ser feito em um ambiente bem iluminado, com dois espelhos: um de corpo inteiro e outro de mão para áreas difíceis, como as costas e o cabelo. O ideal é observar pintas, manchas ou lesões novas, e ficar atento às já existentes”, detalha Bevilaqua.

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A questão é que seis em cada dez respondentes do estudo da SBD não costumam fazer o autoexame. Entre os 37% que separam um tempo da rotina para esse ritual protetor, cerca de 40% disseram ter notado algo estranho na pele, nas unhas ou no cabelo nos últimos 12 meses — 22% identificaram queda dos fios, 13% relataram unhas quebradiças e 11% observaram manchas cutâneas.

O fato é que 20% da população nunca tirou horas do mês para investigar o próprio corpo em busca de sintomas suspeitos. No entanto, especialmente diante de algumas particularidades, essa inspeção se torna ainda mais vital.

“Todo mundo deve fazer o autoexame, principalmente se tiver uma maior propensão ao câncer de pele. Ou seja, pessoas de pele e olhos claros, com histórico familiar ou intensa exposição ao sol”, sublinha Xavier.

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Prestar mais atenção ao tecido que recobre o organismo faz todo o sentido se pensarmos que a incidência de doenças cutâneas é significativa. Em outra pesquisa da SBD, com 1,2 mil dermatologistas, a entidade desvendou os problemas mais diagnosticados no Brasil: acne, psoríase, câncer de pele e dermatite atópica (saiba mais nos quadros da reportagem).

“Todas essas condições podem ser preocupantes, embora o câncer seja mais grave por poder levar inclusive a óbito se não for detectado e tratado”, afirma o dermatologista Heitor Gonçalves, coordenador do levantamento. “Ainda assim, essas doenças são cercadas de estigmas. A acne pode deixar cicatrizes. A psoríase pode levar a incapacidades físicas.”

O câncer de pele

O diagnóstico precoce, que exige o olhar do dermato, se mostra ainda mais crítico quando se fala no mais temido dos cânceres de pele, o melanoma. São previstos cerca de 8,4 mil novos casos no país neste ano. Existem três principais tipos de lesão maligna cutânea.

“O melanoma é a menos frequente, mas a mais perigosa”, frisa Miguel. “Agora, quando descobrimos a doença logo no início, as chances de cura passam de 90%”, continua a médica do Einstein.

Os outros dois tipos são o carcinoma basocelular e o carcinoma espinocelular: o primeiro é o mais comum e menos agressivo, e ambos aparecem sobretudo em áreas do corpo expostas à radiação solar, como rosto, orelhas e couro cabeludo.

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Pois é, cerca de 65% dos tumores cutâneos são provocados pelos raios ultravioleta do sol. Portanto, cuidar da pele significa fugir ou proteger-se do astro-rei. Em outras palavras, procurar as sombras e usar o filtro solar.

Trata-se de uma questão de saúde pública, a ponto de médicos advogarem pelo fornecimento gratuito do produto. Em algumas regiões do país, iniciativas públicas já o oferecem a grupos específicos, como pacientes com lúpus.

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Clique para ampliar (Design e ilustrações: Laura Luduvig/Estúdio Tigre/Veja Saúde)

Acne

Atire o primeiro creme quem nunca espremeu cravos ou espinhas. O hábito, embora comum entre os adolescentes, é desaconselhado pelos médicos. Em vez de resolver o problema, pode agravar a situação. Segundo os dermatologistas, a manipulação leva à infecção! Acne tem a ver com hormônio sexual, que começa a ser produzido na puberdade: o androgênio (nos meninos) e o estrogênio (nas meninas).

Eles são produzidos tanto pelos ovários e testículos quanto pelas glândulas suprarrenais (acima dos rins) em ambos os sexos. Tem a ver também com a inflamação das glândulas sebáceas.

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Em geral, as lesões aparecem no rosto, mas algumas delas podem surgir nas costas, nos ombros e no peito. Fatores que favorecem sua piora são o estresse e a menstruação.

Aliás, é lenda a história de que o problema só perturba os jovens — pode dar as caras até na menopausa. E o ideal é tratá-lo quanto antes. Não só para prevenir cicatrizes, mas também para evitar arranhões à autoestima.

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Psoríase

Lesões no couro cabeludo, manchas vermelhas pelo corpo e inchaços nas articulações. Esses são alguns dos sintomas da psoríase. Ela não tem nada de contagiosa.

A exemplo da acne, é uma doença de base inflamatória. Em 30% dos casos, pode atingir as articulações — o nome que se dá, nessas circunstâncias, é artrite psoriásica.

vários tipos de psoríase: desde as mais comuns, como a vulgar, que podem causar dor e coceira, até as mais raras, como a eritrodérmica, que provoca febre e calafrios.

A doença pode aparecer em diversas partes do corpo, como joelhos e cotovelos. Mas também nas unhas (psoríase ungueal) e nas axilas (invertida). Nos casos mais graves, a pele pode apresentar rachaduras e sangramento.

O tratamento varia de acordo com a gravidade. Pode ser tópico (cremes e pomadas), sistêmico (comprimido), biológico (injeção) e fototerápico (exposição controlada à luz ultravioleta).

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Autoexame permite identificar alterações na pele (Design e ilustrações: Laura Luduvig/Estúdio Tigre/Veja Saúde)

Proteção solar é a base do cuidado

Quando o assunto é prevenção, um conselho é unanimidade entre os médicos: evitar a exposição solar, se possível, entre 10 e 16h — o pico de incidência dos raios ultravioleta.

Para não ter erro, vale a pena passar o protetor solar com FPS de no mínimo 30 — FPS é o fator de proteção solar, que indica o tempo que a pele pode ficar exposta sem se queimar em comparação com o tempo sem proteção, 30, 50, 60 minutos…

E se lembrar de que, na praia ou na piscina, é preciso reaplicar o produto a cada duas horas. Investir em bonés, chapéus de aba larga, camisetas de manga comprida e óculos escuros também é bem-vindo. “Mesmo roupas comuns já nos protegem do sol, principalmente as brancas, que refletem a luz”, diz Gonçalves.

Sim, uma quantidade considerável de casos de câncer de pele seria evitada se medidas preventivas como essas fossem adotadas com mais abrangência. E o ideal, na verdade, é que fossem combinadas à avaliação médica periódica: aí o risco de complicações tende a desabar.

“A prevenção primária é responsável pelo combate ao surgimento da doença, enquanto a prevenção secundária é responsável pelo diagnóstico precoce e o tratamento adequado dos tumores, impedindo sua evolução”, contextualiza Dolival Lobão, chefe do Serviço de Dermatologia do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

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Clique para ampliar (Design e ilustrações: Laura Luduvig/Estúdio Tigre/Veja Saúde)

Tratamentos para as doenças de pele mais comuns

Tão relevante quanto a detecção prematura é a terapia adequada. Um princípio que se aplica aos tumores mas também às outras condições que atormentam a pele.

No caso da acne, cremes, pomadas e comprimidos podem ser receitados para conter as espinhas. Na psoríase, existem medicamentos de uso oral e injetáveis, além da fototerapia. Na dermatite atópica, por sua vez, cremes e remédios, inclusive mais modernos, podem frear a inflamação na pele acompanhada de coceira.

E, falando no câncer, a depender do tipo e do estágio, o portfólio de tratamentos vai de procedimentos cirúrgicos (com bisturi ou laser) a drogas de última geração que permitem ao sistema imune caçar as células tumorais.

“As pessoas precisam entender de vez que cuidar da pele é cuidar da saúde”, afirma Barcaui. O presidente da SBD vai além: “A pele fala. E o dermatologista é o profissional preparado para escutá-la”.

Pode ser uma coceira, uma micose na unha, uma queda de cabelo sem explicação… Ou mesmo uma lesão persistente.

“Se ela durar mais de três ou quatro semanas, doer, coçar ou sangrar, deve ser avaliada quanto antes”, reforça Xavier. No fim, é preciso derrubar mitos, preconceitos e paradoxos, porque uma pele bonita é, antes de tudo, uma pele saudável.

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Atenção ao maior órgão do corpo humano é essencial para a saúde (Design e ilustrações: Laura Luduvig/Estúdio Tigre/Veja Saúde)

Os tipos de câncer de pele

Três em cada dez tumores diagnosticados no Brasil são de pele. Todos os anos, o Inca registra 185,4 mil novos casos. Desses, 177 mil são de carcinoma basocelular e carcinoma espinocelular.

Os outros 8,4 mil são de melanoma. Mais grave, o melanoma tem esse nome porque se origina dos melanócitos, as células que produzem melanina, o pigmento que dá cor à pele.

Pessoas claras, que se queimam com facilidade quando se expõem ao sol, são as que têm maior risco de desenvolver a doença. Mas quem tem pele negra não está isento.

Nos estágios iniciais, o melanoma se desenvolve na camada mais superficial da pele. Isso facilita a remoção cirúrgica e a cura do tumor. Nos mais avançados, atinge a camada mais profunda da pele, aumenta as chances de metástase, quando o tumor se espalha por outros órgãos, e reduz a possibilidade de remissão.

Daí o mantra que os médicos repetem: quanto mais cedo o dermatologista diagnosticar o câncer de pele, melhor será o prognóstico do paciente.

Dermatite atópica

Trata-se de uma doença de pele inflamatória, aguda ou crônica, caracterizada por vermelhidão, coceira e escamação. Embora seja mais comum na infância, alguns casos podem ter origem na adolescência e outros persistirem na fase adulta.

Além da coceira, provoca também ressecamento e lesões avermelhadas na pele. Ocorre principalmente nas grandes dobras do corpo, como joelhos, cotovelos e pescoço. Alguns fatores pioram o quadro. Caso da baixa umidade do ambiente, de banhos demorados com água quente, do uso de roupas de lã e de situações de estresse.

Os dois primeiros aumentam a secura da pele; os dois últimos provocam comichão pelo corpo. É uma combinação que, inclusive durante o sono, pode abrir caminho a feridas. E feridas são portas abertas para vírus e bactérias.

O tratamento age em várias frentes: hidrata a pele, controla a coceira, reduz a inflamação e previne recorrências. Sim, a dermatite atópica é uma doença cíclica. Há períodos de melhora. Mas há também períodos de recaída.

Perigo na esquina

Nenhum procedimento na pele, por mais simples que seja, é “inofensivo”. Todos oferecem riscos. Por essa razão, os médicos recomendam cuidados. O principal é verificar a credencial do profissional.

É dermatologista? Tem título de especialista pela SBD? E mais: o espaço tem alvará da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e segue as normas?

Evite salões de beleza ou clínicas estéticas sem supervisão médica”, orienta a dermato Mariele Bevilaqua. Por último, converse com seu médico sobre os riscos e os benefícios do procedimento. “Desconfie de tratamentos divulgados em redes sociais sem respaldo científico”, aconselha Joaquim Xavier.

E você, já foi ao dermatologista este ano?

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Como fazer o autoexame

Uma vez por mês, dedique um tempo da agenda a inspecionar sua pele. O check-up inclui desde áreas um tanto óbvias, como rosto e pescoço, até outras, mais inusitadas, como a palma da mão e a planta do pé.

O que investigar? Bem, os médicos têm uma dica para pintas e lesões: a regra ABCDE. O A é de assimetria, o B é de borda, o C é de cor, o D é de dimensão e o E, de evolução.

Se a mancha é assimétrica, ou seja, um lado é diferente do outro, pode ser algo maligno. Se não é, tende a ser benigno. Se tem a borda irregular (B), dois ou mais tons (C), é maior que 6 mm (D) e muda de forma, tamanho ou corpo (E), procure um médico para investigar.

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