Desde 2015, o Brasil enfrenta uma queda contínua nas coberturas vacinais de praticamente todos os imunizantes infantis. O cenário piorou na pandemia e, apesar de ter melhorado nos últimos dois anos, ainda está longe de ser o ideal. Mais de 80% da população vive em cidades que não atingiram as metas do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
É o que revela o Anuário VacinaBR 2025, elaborado pelo Instituto Questão de Ciência (IQC), com apoio da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
O documento é o primeiro a consolidar de forma analítica e estatística os dados de vacinação do Sistema Único de Saúde (SUS) de 23 anos (de 2000 a 2023), com análises de dados municipais, estaduais e nacionais. E é dividido por doenças, e não por imunizantes, já que algumas mazelas podem ser prevenidas por vacinas diferentes ou tiveram seus esquemas alterados ao longo do tempo.
Informações do Ministério da Saúde sempre estiveram disponíveis para consulta, mas havia uma dificuldade da comunidade médico-científica em acessá-las e obter recortes como séries históricas, ou a metodologia por trás dos cálculos das coberturas, comenta Fernanda Meirelles, uma das organizadoras do Anuário.
O trabalho é uma extensão da plataforma VacinaBR, lançada no final de 2024, que organiza estes dados públicos. “O objetivo não é competir com os órgãos oficiais, mas trazer uma contribuição da sociedade civil, simplificando e tornando os dados mais amigáveis”, diz Meirelles, que é coordenadora do Observatório de Políticas Científicas do IQC.
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Muita gente vivendo abaixo da meta
Até 2010, entre 60 e 75% dos brasileiros vivia em cidades que atingiam suas metas de vacinas básicas do calendário infantil. Em 2023, a situação é a oposta. Apenas 32% dos municípios, que abrigam 20% ou menos da população, estão adequadamente vacinados. E esse é o melhor índice desde 2018.
O cálculo foi feito com base em um indicador do Governo Federal que oferece incentivos financeiros a municípios que atingem 95% de cobertura em doses básicas para bebês. São elas: pentavalente (terceira dose), poliomielite (terceira dose), pneumocócica 10-valente (Pneumo10 – segunda dose) e tríplice viral, que protege contra sarampo, rubéola e caxumba (primeira dose).
Ou seja, a maior parte dos brasileiros mora em regiões em risco elevado de reintrodução de doenças já erradicadas ou do aumento de casos de doenças bem controladas.
Bom lembrar que isso já aconteceu nos últimos anos. O sarampo, uma das doses em baixa popularidade, ressurgiu no Brasil entre 2018 e 2022, adoecendo 40 mil pessoas. A situação agora está sob controle, mas há ameaças à espreita, como os surtos nos Estados Unidos e no Canadá.
No Maranhão, a cobertura vacinal para a segunda dose da tríplice viral estava em 33% em 2023. No Rio de Janeiro, 36%.
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O dado mais preocupante
Mais do que a recusa, o Anuário revela que é o abandono vacinal o principal problema nesta seara. O conceito abrange as pessoas que levam o filho para tomar a primeira dose de um imunizante, mas não voltam para completar o esquema. Para diversas vacinas, tal índice supera os 50%.
“Isso mostra que havia uma população disposta a ser vacinada, convencida a fazer isso, mas que não foi até o final”, pontua Meirelles. Esse é um ponto importante, pois mostra que o problema não se limita à desinformação antivacina, embora também a inclua.
“O que a literatura aponta é que há um esquecimento em meio à correria do dia-a-dia. É como se a pessoa, com a primeira dose, tivesse se livrado de uma responsabilidade”, comenta a médica Isabella Ballalai, diretora da SBIm.
A médica destaca este como o dado mais preocupante do documento. “Sem o esquema vacinal completo, o indivíduo não está protegido de fato”, alerta.
Entre as estratégias para reverter a situação, Ballalai cita a intensificação de campanhas de comunicação — que hoje não têm mais a onipresença do passado — e estratégias como a vacinação nas escolas. “A maioria das pessoas não é antivacina, a maioria não se vacina porque não deu pra ir, e não recebem informações sobre a importância das doses”, analisa a médica.
Construção de conhecimento
Com dados regionais e municipais consolidados em séries históricas, o documento deve servir de base para ações focadas em locais específicos. “A média regional esconde disparidades significativas, como no Sudeste, que tem bons números, mas no Rio de Janeiro a situação é negativa”, discorre Meirelles.
Outra possibilidade é a de cruzar os dados com outros indicadores, que ajudem a explicar as diferenças municipais. “Por exemplo: em alguns locais, as coberturas caíram por falta de vacinas, então é possível comparar os dados com informações de estoque vacinal”, sugere Meirelles.
Ela reforça que a iniciativa é uma contribuição sobre um tema que é responsabilidade de todos: a proteção das crianças e a saúde pública. “Vacinas são uma pauta coletiva. É papel da sociedade civil acompanhar, fiscalizar e facilitar o acesso ao histórico de dados, fazendo inclusive com que essa informação chegue a mais pessoas”.
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