Descrita por Hipócrates dois séculos antes de Cristo e apelidada de “doença dos reis”, a gota era associada à nobreza medieval, conhecida por seu acesso a fartas mesas e abundância de bebidas alcoólicas.
Hoje, no entanto, não é privilégio de reis nem de intelectuais: trata-se de uma condição inflamatória cada vez mais presente em diferentes camadas da população e que merece atenção.
O que causa a gota?
A gota é causada pelo acúmulo de cristais de ácido úrico nas articulações e em outros tecidos do corpo, quadro resultante do excesso dessa substância no sangue, conhecido como hiperuricemia.
A elevação dos níveis de ácido úrico pode ter múltiplas origens: fatores genéticos, ingestão de alimentos ricos em purinas, consumo excessivo de álcool e refrigerantes adoçados, além de alterações na forma como o organismo produz ou elimina essa substância.
+Leia também: Gota: a doença que atormenta o homem há séculos
Quem é mais afetado pela doença?
Os homens adultos são os mais afetados pela doença, especialmente entre os 40 e 50 anos. Entre mulheres, o risco aumenta apenas após a menopausa, quando a proteção dos hormônios estrogênicos diminui.
Mas o dado que deveria acender um alerta é outro: com o aumento da expectativa de vida, hoje acima de 77 anos no Brasil, mais pessoas estão suscetíveis à doença. Soma-se a isso a prevalência de hábitos pouco saudáveis, como má alimentação, sedentarismo e obesidade, que potencializam o risco.
Principais sintomas da gota
Os sintomas não são discretos. O ataque clássico de gota ocorre à noite, com dor lancinante em articulações como o dedão do pé, tornozelos ou joelhos.
O sofrimento é tamanho que muitos pacientes não suportam nem o peso do lençol sobre a região inflamada. A evolução da doença, sem tratamento adequado, pode levar à formação dos chamados tofos gotosos, nódulos dolorosos que causam deformidade e comprometem a mobilidade.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico da gota pode ser confirmado pela análise do líquido retirado da articulação, embora, na prática clínica, médicos recorram também a exames laboratoriais e de imagem para compor o quadro.
Ainda assim, não é incomum que pacientes enfrentem dificuldades até obter a confirmação do diagnóstico e o tratamento correto.
Tratamento e controle da gota
Aqui está o ponto central: embora a gota não tenha cura definitiva, pode ser controlada. As crises agudas podem ser aliviadas com anti-inflamatórios, colchicina e/ou corticosteroides, enquanto o tratamento de longo prazo busca manter o ácido úrico em níveis seguros.
Medicamentos como alopurinol e benzobromarona são antigas opções disponíveis no Brasil, mas novas terapias ainda não chegaram ao país.
A grande questão é que muitas vezes a doença é subestimada. Vista por alguns como um “problema menor” ou reduzida à caricatura de uma dor no dedão, a gota é, na verdade, uma condição crônica e incapacitante se negligenciada. Requer acompanhamento contínuo e tratamento para evitar complicações graves.
Um desafio de saúde pública
Em um cenário em que vivemos mais e adotamos estilos de vida cada vez menos saudáveis, é urgente que olhemos para a gota não como uma curiosidade histórica ou como uma “doença dos reis”, mas como um desafio de saúde pública. Reconhecer sua gravidade, investir em diagnóstico precoce e garantir acesso a tratamentos eficazes é responsabilidade de todos nós — profissionais de saúde, gestores e pacientes.
Afinal, prevenir e controlar a gota é também garantir mais qualidade de vida para uma população que envelhece rapidamente.
*Renata F. Rosa é médica reumatologista assistente responsável pelo ambulatório de Artropatias Microcristalinas do Hospital do Servidor Público Estadual-HSPE. Membro da Sociedade Paulista de Reumatologia e da Comissão de Gota da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Compartilhe essa matéria via: