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Cannabis funciona para dor crônica? Veja o que dizem os estudos



A cada dia, cresce a procura por medicamentos baseados em compostos extraídos da cannabis. É um mercado que, em 2024, movimentou R$ 853 milhões só no Brasil e, neste ano, deve chegar ao montante de R$ 1 bilhão, segundo prevê o 3º Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil.

Entre os principais usos dessas formulações está o controle de epilepsias refratárias, como as causadas pelas síndromes de Dravet e de Lennox-Gastaut, que são condições raras e com poucas alternativas de tratamento.

Na prática, os derivados da planta são usados por pacientes com as mais diversas queixas. Um exemplo é a dor crônica, que afeta uma a cada cinco pessoas ao redor do mundo, segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP, na sigla em inglês). Mas será que essa é uma alternativa eficaz?

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Não há comprovação científica de que a cannabis ou seus derivados tratem dor crônica”, afirma o anestesiologista Carlos Marcelo de Barros, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos da Dor (SBED). “Alguns indivíduos podem até relatar uma melhora no manejo de problemas de sono e enjoo associados à dor, mas essas substâncias não solucionam por completo esses casos, que são complexos.”

É o que concluem também revisões sistemáticas sobre o tema, que apontam que os ensaios clínicos realizados até agora são limitados e de qualidade questionável.

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O que diz a ciência?

De acordo com um estudo que analisou 32 ensaios clínicos acerca o uso de cannabis medicinal e canabinoides não inalados para o tratamento da dor crônica, esses produtos “resultam em uma melhora pequena a muito pequena no alívio da dor, no funcionamento físico e na qualidade do sono em pacientes com dor crônica”.

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O artigo foi publicado em 2021, no prestigiado periódico The British Medical Journal (The BMJ), e também aponta que, em comparação ao placebo, o tratamento também pode oferecer mais efeitos adversos.

Uma revisão brasileira feita sobre o tema também chegou a uma conclusão semelhante. “Não foram encontradas evidências de alta qualidade quanto à avaliação dos desfechos de eficácia, segurança ou de efeitos adversos relacionados ao uso de tratamentos derivados da cannabis no manejo de dor crônica”, escreveram os pesquisadores da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, em artigo publicado em 2023 na revista  Brazilian Journal of Pain.

Outra análise divulgada em fevereiro deste ano na revista Biomedicines  aponta que, apesar de alguns estudos menores apontarem o potencial terapêutico de canabinoides para essa finalidade, as evidências geralmente são de baixa qualidade, “devido ao tamanho limitado das amostras, à curta duração dos estudos e às inconsistências metodológicas”.

Os autores, associados à renomada Clínica Mayo, nos Estados Unidos, recomendam que ensaios clínicos de larga escala, randomizados e com seguimento à longo prazo sejam realizados para confirmar (ou não) a eficácia e a segurança do tratamento em pacientes com dor crônica de diferentes perfis.

A visão é compartilhada pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, que classificam as evidências como “limitadas” e destacam que ainda é necessário demonstrar se a cannabis medicinal ou os canabinoides são uma opção melhor do que as demais alternativas disponíveis hoje para o tratamento da dor (aguda ou crônica).

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Como falar sobre o tema com o paciente?

Como o crescimento pela procura deste tipo de tratamento, entidades científicas têm se atentado à necessidade de alinhar as expectativas dos pacientes com o que há de evidências científicas sobre a eficácia desses produtos.

Em abril, o Colégio Americano de Médicos, a segunda maior entidade médica dos EUA, publicou um documento de boas práticas sobre o manejo da dor crônica (não relacionada ao câncer) com cannabis ou canabinoides.

Resumidamente, o guia traz três recomendações aos médicos.

A primeira diz que é preciso que todo paciente que pense em iniciar o tratamento esteja ciente dos possíveis benefícios e malefícios. Além disso, indica também que sejam identificados os grupos que podem estar mais vulneráveis aos efeitos adversos.

São eles: 

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  • pacientes jovens adultos e adolescentes, 
  • pacientes com transtorno por uso de substâncias atual ou passado, 
  • pacientes com doenças mentais graves, 
  • pacientes frágeis e aqueles com risco de queda.

A segunda orientação é a de não indicar o início ou continuação do tratamento para mulheres que estão grávidas, amamentando ou tentando engravidar ativamente.

E a terceira recomendação reforça que profissionais da saúde devem desaconselhar o uso de cannabis inalada para o controle das dores.

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Como funciona no Brasil?

No Brasil, o uso medicinal da planta e seus compostos ainda está em processo de regulamentação, mas é possível adquirir formulações mediante prescrição médica para o tratamento de algumas condições, inclusive pelo sistema público e privado de saúde.

Não há, no entanto, um consenso sobre as indicações válidas para os canabinoides. Em geral, o uso é feito de forma experimental, quando não há resposta a outros tratamentos disponíveis.

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“É um direito do médico querer saber se os canabinoides vão funcionar para tratar a dor de um determinado indivíduo, mas é preciso considerar que não há nenhum trabalho de boa qualidade, nenhum amparo na literatura que demonstre que essas substâncias resolvam a dor crônica”, ressalta Rafael Navarrete Fernandez, reumatologista e coordenador da Comissão de Dor da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

Efeitos adversos

Tontura e sedação são os principais efeitos colaterais relatados com o uso de canabinoides no tratamento da dor crônica, além de um possível risco de náuseas.

Não há ensaios que avaliem os efeitos a longo prazo. Portanto, são necessários estudos que avaliem melhor o risco de dependência e repercussões na cognição e nos sistemas cardiovascular, gastrointestinal, pulmonar e reprodutivo.

“Também há poucos estudos que abordem a interação dos canabinoides com outras medicações“, pontua Fernandez.

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Afinal, como tratar dor crônica?

Hoje, há várias formas de aliviar dores persistentes. Colocar o corpo em movimento é a principal delas. “Apesar dos incômodos físicos, exercícios físicos ainda são a melhor forma de reabilitar o corpo e reconquistar autonomia”, afirma Carlos Barros, presidente da SBED.

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Além de combater o sedentarismo, o tratamento para dor crônica também pode envolver o uso de medicamentos. Anti-inflamatórios, opioides, anticonvulsivantes, antidepressivos e anticorpos monoclonais são algumas classes usadas — cada uma tem a sua indicação para tratar diferentes tipos e intensidades de dor.

Casos mais severos e que não respondam a tratamentos convencionais podem requerer métodos cirúrgicos, que visam a neuromodulação e estimulação medular para “reprogramar” como o cérebro interpreta a dor.

 

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