Publicar vídeos de partos de bebês reborn, trocar fraldas, amamentar, dar nomes, cuidar — tudo isso virou tendência nos últimos tempos. O tema viralizou, gerando debates acalorados sobre a suposta infantilização do adulto, papéis de gênero (afinal, o cosplay masculino ou a coleção de carrinhos raramente causam o mesmo incômodo) e a banalização do cuidado real de um recém-nascido.
Alguns dizem que o incômodo gerado por essas práticas se refere ao fato de vermos adultos brincando. Mas, quando se estuda o tema a fundo, percebe-se que o impulso de brincar permanece na vida adulta — apenas assume outros formatos. Ele está presente nas piadas entre amigos, nos jogos, nas criações artísticas, nos memes, no pintar mandalas ou montar legos.
Por que, então, o cuidado com o reborn parece ultrapassar esse limite?
Talvez porque ele encene um tipo específico de vínculo — não qualquer um, mas aquele socialmente considerado o mais profundo e exigente de todos: o materno. Só que, nesse caso, o bebê não é um sujeito em formação. Não há reciprocidade, nem desafio, nem transformação mútua. É o gesto de cuidar deslocado da presença real de um outro.
E isso, por si só, já seria suficiente para causar desconforto. Mas talvez o desconforto maior esteja em algo que vai além.
Vivemos tempos em que a fronteira entre fantasia e realidade está cada vez mais diluída. Criamos versões editadas de nós mesmos nas redes, montamos cenários para exibir afetos, performamos relações.
O bebê reborn surge como símbolo extremo de um fenômeno que, em alguma medida, é familiar: um afeto cuidadosamente encenado para parecer real — e que talvez só se sustente porque pode ser controlado e exibido. Um afeto com apelo estético, ajustado à imagem do que é belo, limpo e sereno. E, ao mesmo tempo, sem risco, sem contradição, sem frustração.
Elementos dessa mesma lógica também aparecem em outro fenômeno contemporâneo: o de pessoas que desenvolvem vínculos afetivos com inteligências artificiais. Algumas se apaixonam. Outras compartilham segredos. Há quem trate a IA como terapeuta ou melhor amigo.
Assim como o reborn, a IA apenas simula humanidade. Não sente dor, não se angustia, não ama. Apenas responde — com precisão e sem conflito.
Ainda assim, nos relacionamos.
Não estamos apenas confundindo fantasia com realidade. Estamos desejando relações com aquilo que não sente, não responde, não escapa de nós. Com aquilo que pode ser desligado, deletado, reiniciado. O problema não está na existência dessas tecnologias ou objetos.
O que inquieta é a tentativa de preencher vazios afetivos com o que nunca poderá ser humano. O que assusta é a naturalização da ideia de que o outro pode ser uma coisa.
Talvez seja esse o verdadeiro espanto. Porque cuidar de um bebê reborn não é, em si, mais absurdo do que muitas outras práticas que já integram o cotidiano. Mas há algo ali que torna visível o que preferiríamos manter invisível: o quanto temos aceitado vínculos sem alteridade.
O quanto temos investido afeto em simulacros. E o quanto, nesse desejo por relações absolutamente controláveis, há uma carência que deflagra uma sociedade perdida em suas relações.
O bebê reborn está ali. Parado. Imóvel. E, ainda assim, é cuidado como se fosse real. Não responde. Não sente. Não cresce. E talvez seja justamente por isso que tanta gente o tenha escolhido. Não por loucura, mas por tentativa.
Tentativa de encenar o cuidado num tempo em que as relações reais parecem, para muitos, assustadoras ou distantes demais. Ou tentativa de produzir o olhar e o interesse do outro — aquele que, ainda que digital, carrega a promessa de relações reais.
*Tauane Paula Gehm, doutora em psicologia e criadora do Instagram Mundo Tau.