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Introdução
A luta contra o HIV/AIDS vai além da ciência, sendo um espelho da privação de direitos humanos. O artigo revela que, apesar dos avanços, a epidemia persiste devido a desigualdades sociais, estigma e criminalização de grupos vulneráveis. Para acabar com a aids até 2030, é crucial garantir direitos, combater discriminação e assegurar financiamento.
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- A persistência da epidemia de HIV é mais uma questão de garantia de direitos humanos do que de ciência.
- Cortes de financiamento e criminalização de populações-chave geram grave retrocesso global no combate ao vírus.
- O Brasil é modelo em resiliência e políticas públicas como a PrEP, mas enfrenta estigma e alta incidência em jovens negros, gays e trans.
- O estigma é um obstáculo central, afetando o diagnóstico e a adesão ao tratamento por medo da discriminação.
- A meta de acabar com a epidemia até 2030 é possível, mas exige mobilização política para combater homofobia, racismo e garantir direitos.
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Resumo gerado por ferramenta de IA treinada pela redação da Editora Abril.
O vírus da imunodeficiência humana, ou HIV, nunca foi apenas um vírus. Antes da sua descoberta como agente causador da aids, chamada inicialmente de doença dos 5 H – caracterizada por 5 grupos mais acometidos no início da pandemia: haitianos, homossexuais, hookers (prostitutas em inglês), usuários de heroína e hemofílicos – já carregou como marca registrada conjuntos populacionais cuja simples existência já os deixava associados diretamente a um destino fatal.
O HIV, quando identificado, em 1983, tornou-se o símbolo invisível desses públicos. Ao ouvir a palavra HIV automaticamente eles surgiam – e ainda surgem – muitas vezes como detentores exclusivos dessa condição.
Quarenta anos se passaram e os avanços na ciência no que se refere a diagnóstico, tratamento e prevenção foram notáveis. Ainda assim, praticamente os mesmos grupos da década de 80 continuam a se contaminar pelo vírus e adoecer de aids. Um apanhado dos 3 últimos relatórios da Unaids deixa claro: acabar com a epidemia até 2030 não é uma questão de ciência, mas de garantia de direitos.
Em 2023, o documento The Path that Ends AIDS mostrou que países que removeram leis punitivas a quem vive com HIV e ampliaram o acesso ao tratamento conseguiram resultados extraordinários. Cinco nações já atingiram as metas 95–95–95. A lição é simples: quando os direitos humanos são respeitados, a resposta ao HIV é efetiva.
Desigualdade como obstáculo central
No ano seguinte, o relatório The Urgency of Now trouxe um alerta: o mundo estava em uma encruzilhada. Apesar da queda global nas infecções e mortes, milhões ainda viviam sem acesso ao tratamento.
O texto insistia que investir em HIV não é gasto, mas multiplicador de justiça social. Integrar serviços de saúde, fortalecer comunidades e enfrentar desigualdades raciais e de gênero são estratégias que salvam vidas e ampliam cidadania.
+Leia também: Dezembro Vermelho: novos números da epidemia de HIV e aids no Brasil
Esse ano, entretanto, o relatório Overcoming Disruption revelou o retrocesso mais grave em décadas. Cortes de financiamento internacional desestruturaram serviços de prevenção em locais de alta incidência da infecção, fecharam organizações comunitárias e deixaram 9,2 milhões de pessoas sem tratamento.
Mais alarmante: aumentou o número de países que criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo e expressões de gênero. Ou seja, em vez de avançar, parte do mundo escolheu punir e excluir populações já vulnerabilizadas — e isso alimenta a epidemia de forma direta.
O Brasil entre avanços e desafios
O Brasil, modelo no cuidado a pessoas vivendo com HIV, aparece como exemplo de resiliência, financiando integralmente sua resposta nacional à infecção. Além disso, traz como política pública a revolucionária PrEP – profilaxia pré-exposição – que está mudando a curva de novos casos de HIV em locais onde sua implementação ocorreu.
Entretanto, os desafios persistem: jovens negros e pardos, homens gays e pessoas trans concentram a maioria das novas infecções, bem como a maior proporção de casos de morte por aids no Brasil.
O estigma, como mostra o Índice de Estigma 2025, ainda atinge mais da metade das pessoas vivendo com HIV em nosso país. Essa marca social está diretamente ligado ao diagnóstico e à adesão ao tratamento. Muitas pessoas, por conta do medo de que outros saibam de seu diagnóstico, deixam de tomar a medicação. Outras não procuram testar-se para saber o status sorológico.
O que está em jogo é mais profundo do que números. A resposta à pandemia de HIV expõe a escolha entre proteger vidas ou perpetuar iniquidades. Criminalizar populações-chave, cortar financiamento e negar acesso a tecnologias de prevenção é uma escolha clara acerca do valor de determinadas existências.
Investir na garantia de direitos humanos, proteger a diversidade e combater o racismo tornam-se central no atual momento desse cenário epidemiológico.
2030 ainda é possível?
Acabar com a epidemia até 2030 é possível. Todavia, isso só ocorrerá se tivermos mobilização política para enfrentar a homotransfobia, o racismo e colocar a garantia dos direitos humanos na agenda governamental de forma séria e efetiva.
O HIV ultrapassa a questão biomédica: sua perpetuação é espelho de privação de direitos humanos. Até hoje, fracassamos em garantir a legitimidade de existências. Enquanto esse fracasso persistir, a pandemia de HIV continuará a existir, indubitavelmente.
Pedro Campana é médico infectologista no Nucleo de Medicina Afetiva (NuMa) e professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
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