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Creme dental com cabelo? Sim, a ideia é real — e pode mudar a odontologia


E se resíduos biológicos tão comuns quanto fios de cabelo pudessem ajudar a restaurar dentes danificados? Pode parecer improvável, mas a ciência está dando passos importantes para transformar essa ideia em realidade.

Pesquisadores do King’s College London descobriram que a queratina — proteína estrutural encontrada no cabelo, nas unhas, na pele humana e na lã de ovelha — possui potencial terapêutico para remineralizar o esmalte dentário.

Os achados integram áreas como bioquímica, biologia molecular e saúde oral, dentro do rigor da odontologia baseada em evidências. A seguir, entenda mais sobre eles:

Por que o esmalte se desgasta?

O desgaste do esmalte dentário é um problema cada vez mais comum e ocorre principalmente por três fatores cotidianos: consumo frequente de alimentos e bebidas ácidas, higiene bucal inadequada e processos naturais de envelhecimento.

Esses elementos enfraquecem progressivamente a camada protetora do dente, deixando a superfície exposta e vulnerável. O resultado pode ser sensibilidade persistente, dor, erosões, aumento do risco de cárie e, em casos severos, até a perda do dente.

Como o esmalte não se regenera por conta própria, todo dano acumulado tende a ser definitivo.

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Como a queratina pode reconstruir o esmalte?

A tecnologia estudada surge não apenas para proteger o esmalte, mas regenerá-lo. O mecanismo funciona de forma biomimética, reproduzindo estratégias da própria natureza.

Aplicada aos dentes, a queratina interage com os minerais presentes na saliva e se reorganiza em uma camada altamente estruturada, semelhante a um cristal, que imita a arquitetura e a função do esmalte. Ao longo do tempo, essa nova estrutura continua a atrair cálcio e fosfato, ampliando e fortalecendo a proteção ao redor dos dentes, um processo regenerativo que evolui continuamente.

Nova tecnologia usa queratina para reconstruir o esmalte dos dentes, abrindo caminho para produtos odontológicos capazes de restaurar danos e fortalecer o sorriso.

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Antes (esquerda) e depois (direita): pesquisadores demonstram que a queratina ajuda a reconstruir a estrutura do esmalte, deixando o dente mais resistente ao desgaste. (King’s College London/Reprodução)
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A base científica: consciliência e plausibilidade biológica

Essa inovação se apoia em dois pilares essenciais: consciliência e plausibilidade biológica. Consciliência refere-se à convergência de diversas áreas da ciência para a mesma conclusão.

Já a plausibilidade biológica se baseia no fato de que dentes, cabelos, unhas e ossos compartilham a mesma origem embrionária. Embora a queratina assuma formas geométricas distintas em cada estrutura, mantém uma compatibilidade natural que pode ser explorada terapeuticamente.

Trata-se, porém, de uma pesquisa ainda pré-clínica. Antes que a queratina seja adotada como produto restaurador, será necessário comprovar, em ensaios clínicos rigorosos, sua efetividade, segurança, durabilidade e reprodutibilidade em diversos cenários da prática odontológica. Esses estudos são fundamentais para que a inovação chegue ao consultório com qualidade e responsabilidade.

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Um biomaterial sustentável e biocompatível

Além do potencial regenerativo, o uso da queratina traz vantagens adicionais, pois se trata de um biomaterial orgânico, com maior biocompatibilidade, aparência mais natural e menor risco de liberação de micro e nanoplásticos, problema associado a materiais restauradores sintéticos convencionais.

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Também representa um avanço em sustentabilidade, uma vez que utiliza insumos provenientes de resíduos biológicos que seriam descartados, alinhando a odontologia a princípios de economia circular.

Quando essa tecnologia poderá chegar ao público?

Os pesquisadores já desenvolvem formas de aplicação acessíveis, incluindo cremes dentais para uso diário e géis profissionais para reparos específicos.

Se as próximas etapas confirmarem os resultados preliminares, a tecnologia poderá chegar ao público em dois a três anos, sendo especialmente promissora na prevenção e reversão inicial de danos causados por erosão ácida, hipersensibilidade dentinária e lesões de cárie incipientes.

O estudo, publicado na revista Advanced Healthcare Materials, conclui que a queratina pode restaurar não apenas a estrutura física, mas também a função biológica do esmalte. Segundo o grupo de pesquisa, sorrisos mais fortes e saudáveis podem vir de algo tão simples quanto um corte de cabelo, impulsionando uma mudança de paradigma na forma como tratamos problemas dentários.

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O que ainda falta descobrir?

Ainda há muito a ser investigado, incluindo riscos potenciais, limites terapêuticos e comparação direta com o flúor, mas estamos diante de avanços que apontam para um futuro no qual a odontologia regenerativa será parte da rotina clínica e da saúde pública global.

Se comprovada, essa tecnologia poderá beneficiar milhões de pessoas, reduzindo a dor, preservando dentes naturais e recuperando o esmalte perdido, algo até então considerado irreversível. Uma revolução que une ciência, sustentabilidade e inovação para transformar a forma como sorrimos.

*Carlos Alberto Monson, Presidente da Comissão Temática de Odontologia Baseada em Evidências do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp)

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